Por que o Estado escolheu um sistema indireto para formar pilotos civis
Como o Brasil estruturou a formação civil fora de escolas estatais diretas
Aeroclubes e o ensino aeronáutico virou tema recorrente sempre que alguém pergunta por que o Brasil não criou escolas públicas estatais para formar pilotos civis. No entanto, essa dúvida parte de uma premissa que não se sustenta no desenho histórico adotado pelo país.
O Estado brasileiro não deixou de atuar na formação. Em vez disso, desde 1938, ele escolheu um modelo indireto, com execução por aeroclubes, sob um regime jurídico de tutela e controle.

Por que não há ausência de ensino público, mas um modelo indireto
A indagação sobre a inexistência de escolas públicas estatais para formar pilotos civis parte da ideia de omissão estatal. Contudo, a estrutura brasileira seguiu outro caminho, porque o Estado optou por organizar a formação por meio de entidades sem fins lucrativos.
Assim, a ausência de universidades públicas, escolas técnicas estatais ou centros públicos diretos para formar pilotos civis não indica falta de política pública. Ao contrário, indica uma opção por capilaridade, eficiência administrativa e mitigação do risco operacional.
A escolha histórica do Estado brasileiro
Desde o Decreto Lei nº 678/1938, o Estado definiu que a formação aeronáutica civil não seria prestada diretamente por órgãos estatais. Dessa forma, o poder público passou a fomentar, autorizar, regular e fiscalizar a instrução por meio de entidades privadas sem fins lucrativos, vocacionadas à atividade aeronáutica.
Esse modelo foi aprofundado pelo Decreto Lei nº 1.683/1939, que reconheceu aeroclubes como sociedades civis. Além disso, declarou utilidade pública, submeteu estatutos à aprovação governamental, instituiu coordenação nacional e previu intervenção, cassação e extinção.
Posteriormente, o Decreto nº 11.278/1943 estruturou o fomento direto, vinculando subvenções à redução do custo da instrução, metas formativas, inspeções e prestação de contas. Portanto, até a década de 1950, o ensino de aviação civil operou, na prática, como um ensino público indireto amplamente subsidiado, executado por aeroclubes sob tutela estatal.

Consolidação jurídica do aeroclube como ente privado de finalidade pública
O Decreto Lei nº 205/1967 consolidou esse arranjo ao definir o aeroclube como sociedade civil de utilidade pública. Além disso, confirmou a vocação ao ensino e à prática da aviação, com missão de interesse coletivo.
Ainda assim, o aeroclube não atua como atividade privada comum. Ele depende de autorização estatal para funcionar e aceita fiscalização, controle estatutário, intervenção administrativa e cessação de autorização, com possibilidade de dissolução. Além disso, o regime prevê reversão de bens públicos cedidos à entidade.
O Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/1986) manteve a mesma lógica ao integrar aeroclubes ao Sistema de Formação e Adestramento de Pessoal. Dessa forma, o marco legal preservou a ideia de essencialidade e controle público sobre a formação civil.
O ensino aeronáutico civil como serviço público essencial por política pública
Desde 1938, o Estado definiu expressamente que a formação de pilotos civis integra a política pública de aviação civil. Além disso, ela deve ser garantida de forma contínua, segura e acessível, embora executada indiretamente por entidades privadas de utilidade pública, sob tutela estatal.
Por isso, o aeroclube não atua por livre iniciativa comum. Ele depende de autorização estatal para existir e submete estatutos, funcionamento e continuidade ao controle do Estado. Além disso, pode sofrer intervenção, cessação de autorização ou extinção.
Historicamente, o poder público também ofereceu fomento para sustentar essa função. Portanto, esses elementos não combinam com atividade privada ordinária, mas com um serviço público essencial executado em regime especial.
O aeroclube como entidade paraestatal em sentido funcional
À luz da doutrina administrativa contemporânea, a noção de paraestatal pode ser compreendida em sentido funcional, e não meramente formal. Nessa leitura, são paraestatais as entidades com personalidade jurídica de direito privado, que atuam ao lado do Estado e executam atividades de interesse público relevante.
Além disso, essas entidades ficam submetidas a regulação, supervisão, controle e incentivo estatal, mesmo sem integrar formalmente a Administração Pública. Nesse contexto, o aeroclube se enquadra no conceito ao prestar serviços aeronáuticos regulados e executar ensino aeronáutico essencial.
O aeroclube também atua sob regime jurídico especial e funciona como ferramenta de atuação estatal em setor estratégico. Além disso, frequentemente utiliza bens públicos ou bens doados com encargo aeronáutico. Portanto, trata-se de entidade paraestatal em sentido amplo, ainda que não integrante da Administração Indireta.

Por que não existem escolas públicas estatais de pilotos civis
A criação de escolas estatais diretas exigiria frota pública permanente e colocaria risco operacional e patrimonial direto sob responsabilidade do Estado. Além disso, o modelo demandaria estrutura custosa e rígida, o que tende a criar burocratização incompatível com a dinâmica da aviação.
Nesse cenário, também há o risco de subsídio concentrado e regressivo. Por isso, desde os anos 1930, o Estado avaliou que o modelo aeroclube era mais eficiente, descentralizado, economicamente racional, juridicamente adequado e socialmente capilarizado.
Assim, não houve ruptura do modelo. Em vez disso, ocorreram mudanças nos órgãos de regulação, passando por Ministério da Aeronáutica, DAC, ANAC e SAC, sem alterar o eixo do sistema.
O problema contemporâneo é o abandono do fomento, não do modelo
O sistema não deixou de ser público. Contudo, ele deixou de ser adequadamente financiado, porque houve redução drástica e progressiva do fomento estatal, até praticamente desaparecer neste milênio.
Como consequência, o ensino deixou de ser amplamente acessível e os custos recaíram sobre alunos e aeroclubes. Além disso, intensificou-se o trabalho voluntário e multiplicaram-se atividades solidárias para custear a formação.
Esse fenômeno não descaracteriza o sistema jurídico. Na prática, ele evidencia descumprimento parcial da política pública, embora o desenho institucional permaneça. Nesse contexto, a Portaria nº 495 GM 5 de 1977 aparece como instrumento voltado a preservar a viabilidade econômica do sistema público indireto.
Conclusão sobre Aeroclubes e o ensino aeronáutico
O Brasil sempre teve um sistema público de formação aeronáutica civil, embora não tenha adotado um modelo estatal direto. Desde 1938, a política pública escolheu os aeroclubes como núcleo do sistema, com execução indireta, autorização, supervisão e possibilidade de intervenção estatal.
Assim, a inexistência de escolas públicas estatais de pilotos civis não representa omissão. Em vez disso, ela decorre de uma opção histórica estruturada, que consolidou aeroclubes como o sistema público de formação aeronáutica civil escolhido pelo Estado brasileiro desde 1938.
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