Área do Aeroclube de São Paulo vira balada noturna e levanta questionamentos sobre a concessão do Campo de Marte
Concessionária PAX é criticada por destinar área aeronáutica a uso comercial voltado ao entretenimento
O Aeroclube de São Paulo, fundado em 1931 e reconhecido como uma das instituições aeronáuticas mais antigas (com 94 anos), e tradicionais do país, tornou-se o centro de uma polêmica que reacendeu o debate sobre o uso de áreas públicas destinadas à aviação. A área do Aeroclube de São Paulo vira balada noturna após a empresa PAX, responsável pela administração do Aeroporto Campo de Marte, na Zona Norte da capital paulista, remover dois hangares utilizados pela entidade em 2023. No local, foi instalada uma estrutura de palco e eventos noturnos voltada ao público jovem. Assim, a operação do aeroclube passou a ocupar apenas um hangar.
Conflito entre o Aeroclube e a concessionária PAX se intensifica em 2025
Em 2025, a situação se agravou. A concessionária impôs valores considerados excessivos para a renovação contratual — primeiro R$ 96 mil, depois R$ 160 mil mensais — e, posteriormente, negou a renovação, exigindo a desocupação completa da área. Como consequência, o caso ganhou repercussão e provocou reação imediata de autoridades, entidades do setor e representantes da comunidade aeronáutica.
Por esse motivo, críticos afirmam que a medida descaracteriza a finalidade pública do espaço e ameaça o futuro da aviação civil no país. Assim, a polêmica deixou de ser apenas local e passou a mobilizar o setor aeronáutico em todo o Brasil.
Espaço público usado para fins privados
A área que o Aeroclube de São Paulo ocupava integrava a estrutura operacional do Campo de Marte. Durante décadas, o local manteve atividades voltadas à formação de pilotos e à manutenção aeronáutica. No entanto, a substituição de dois hangares por uma arena de entretenimento noturno, em 2023, levantou questionamentos sobre o cumprimento da finalidade pública prevista na concessão.
Desde então, o espaço passou a operar sob o nome Hangar Clube de Marte, recebendo grandes eventos de música eletrônica. Em 26 de julho de 2025, o local sediou a festa AURA, que reuniu o público por 15 horas de música, arte e liberdade, com apresentações de Sébastien Léger, Roy Rosenfeld, Musumeci, Antrim e Eli Iwasa. Além disso, em 20 de setembro de 2025, o mesmo endereço recebeu o evento SunsetStrip São Paulo, com mais de seis horas de set do DJ argentino Hernán Cattáneo.
Essas programações, embora voltadas ao entretenimento, evidenciam o contraste entre o passado e o presente do espaço. O local que, por 94 anos, simbolizou o aprendizado e a formação de pilotos, agora serve de palco para festas eletrônicas abertas ao público jovem.
O papel estratégico dos aeroclubes
O Aeroclube de São Paulo, entidade sem fins lucrativos, tornou-se referência na formação de pilotos e na difusão da cultura aeronáutica. Ao longo de sua trajetória, a instituição capacitou milhares de profissionais que atuam em companhias aéreas, escolas de aviação e empresas de manutenção.
Além da formação técnica, o aeroclube sempre desempenhou funções de interesse público, como o apoio a operações de segurança, a participação em missões de emergência e o incentivo ao esporte aéreo. Por esse motivo, a presença dos aeroclubes em aeroportos públicos continua essencial para a sustentabilidade da aviação civil. Assim, ela mantém viva a base técnica do setor e garante a continuidade da formação profissional no país.
Valores considerados abusivos e pressão econômica
O aumento expressivo do aluguel imposto pela concessionária gerou insatisfação generalizada. De acordo com especialistas, a cobrança de valores tão altos inviabiliza financeiramente o aeroclube e cria um precedente perigoso. Além disso, o caso estimula a substituição de áreas técnicas por empreendimentos comerciais em aeroportos concedidos à iniciativa privada.
Consequentemente, essa pressão econômica sobre instituições históricas ameaça a continuidade das escolas de formação e compromete a preservação da cultura aeronáutica nacional. Por esse motivo, representantes do setor defendem medidas que limitem esse tipo de exploração e reforcem o caráter público das áreas aeronáuticas. Desse modo, o tema ganhou relevância nacional e impulsionou discussões no meio político, empresarial e jurídico.
Área do Aeroclube de São Paulo vira balada noturna e preocupa o setor
A situação preocupa todo o setor. Além de afetar diretamente a formação de novos pilotos, o episódio levanta dúvidas sobre a preservação da infraestrutura aeronáutica e o acesso democrático à aviação. Hoje, os aeroclubes respondem por mais de 90% da formação inicial de pilotos civis brasileiros.
Caso instituições tradicionais precisem encerrar suas atividades, o país poderá enfrentar escassez de profissionais e aumento nos custos de treinamento. Por essa razão, lideranças do setor afirmam que a perda desses espaços enfraquece a base técnica da aviação civil e compromete a renovação de pilotos, instrutores e mecânicos. Assim, manter essas entidades ativas tornou-se essencial para o equilíbrio e a segurança da aviação brasileira.
Concessão sob questionamento
A atuação da concessionária PAX despertou críticas de autoridades e entidades representativas, que apontam possível quebra de finalidade e conflito com os objetivos públicos da administração aeroportuária. Fontes do setor relatam suspeitas de descumprimento contratual e de desvio de uso da área concedida. Caso as irregularidades se confirmem, o contrato poderá ser revisto ou até cancelado, levando o caso para possível judicialização.
Portanto, o caso reacendeu o debate sobre os limites da exploração comercial em áreas públicas de aeroportos. Especialistas defendem transparência e equilíbrio na relação entre concessionárias e entidades históricas da aviação civil. Dessa forma, a discussão tornou-se essencial para proteger a infraestrutura pública e evitar distorções no modelo de concessões aeroportuárias.
Reação política e mobilização social
A situação mobilizou parlamentares, pilotos, instrutores e associações ligadas à aviação geral. Além disso, audiência pública, e manifestações buscam discutir a preservação das áreas aeronáuticas e a proteção das instituições que contribuíram para o desenvolvimento do setor.
Enquanto isso, entidades do segmento propõem a criação de mecanismos legais que impeçam o desvio de espaços de utilidade pública de sua função original. Assim, a pauta ganha força nas discussões sobre políticas públicas e reforça a importância de preservar a memória e o patrimônio da aviação nacional.
Finalizando
A disputa no Aeroporto Campo de Marte vai além de um simples conflito contratual. Ela simboliza uma discussão sobre o uso de um espaço público estratégico, que há quase um século contribui para a formação de profissionais e o fortalecimento da aviação civil brasileira. Hoje, no mesmo local onde o Aeroclube ensinava a voar, a música eletrônica substitui o som dos motores e das instruções de voo.
O caso segue em debate entre autoridades e entidades do setor, e ainda não existe decisão definitiva. O AeroJota reforça que este texto tem caráter informativo e não expressa opinião editorial do site, limitando-se a relatar um fato em discussão pública de interesse coletivo.
Texto: JOLANDO GATTO NETO
Diretor de Segurança de Voo do Aeroclube de Marília, Instrutor de Voo de Avião (INVA) e planador, Rebocador de planador, Piloto de B737-800 e King Air C90, Recordista brasileiro de planador, Empresário
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