Em 1995…meu pai Germano Barros de Souza tinha vindo do Rio de Janeiro transferido para servir no 11° RC – Regimento de Cavalaria em Ponta Porã-MT, ele era primeiro-tenente médico clínico geral. Certo dia aterrissou um Douglas C-47 da FAB naquela localidade comandado pelo então capitão-aviador Eduardo Gomes. A tripulação do avião estava hospedada no quartel. Na hora do almoço no refeitório dos oficiais, meu pai se dirigiu à mesa em que a tripulação da FAB almoçava e falou com Eduardo Gomes: – Bom dia capitão? No que ele respondeu: – Sim tenente! O velho disse: – Minha esposa está no nono mês de gravidez e aqui em Ponta Porã tem ínfimos recursos, será que o senhor poderia levá-la para Campo Grande-MT no voo que sai amanhã cedo daqui? Fico mais tranquilo com ela lá! Gomes respondeu: – Como não tenente! Decolamos às 7h. Ali eu começava a ser cuidado com muito carinho pelo C-47 FAB. Chegando em Campo Grande, Eduardo Gomes solicitou que uma ambulância da Base Aérea de CG conduzisse minha mãe até a maternidade onde nasci dois dias depois.
Dezenove anos depois eu era aprovado para admissão na AFA – Academia da Força Aérea Brasileira. Fui o único aprovado em Campo Grande, a notícia foi dada pessoalmente pelo comandante da Base Aérea de CG coronel-aviador José Hélio Macedo de Carvalho ao meu pai no HGMCG – Hospital Geral Militar de CG onde meu velho era diretor geral daquela unidade militar, eles eram muito amigos. Coronel Macedo disse ao papai: – Germano? Seu filho foi aprovado na FAB em 16° lugar do Brasil onde concorreram 1700 candidatos, vou fazer uma carta de apresentação para o garoto entregar na AFA e vou levá-lo no C-115 Buffalo FAB para o Rio de Janeiro para os exames médicos!
Chegando no Campo dos Afonsos em Marechal Hermes-RJ, o oficial de dia me mostrou o alojamento onde eu ficaria, escolhi meu beliche e coloquei minha malinha com poucas coisas pessoais, mais cheia de esperança. Já era noite, o sargento de dia me deu um saquinho de plástico lacrado com dois ovos cozidos, dois sanduíches de pão com presunto e queijo , um potinho de gelatina e um litro de leite. Foi minha primeira refeição na FAB. No outro dia cedo, após o café da manhã eu estava livre, estava escalado para realizar exames médicos no período vespertino.
Aproveitei para passear na pista e vi lá estacionados 5 Douglas C-47, fiquei fascinado! Um deles, o matriculado FAB 2015 era o único que estava aberto e com uma escadinha amarela de acesso. Não tive dúvida, pensei: – Vou deixá-lo preparado para eu vir dormir nele se não fecharem sua porta. Retornei ao alojamento e após o jantar verifiquei a segurança. Um par de soldados da PA – Polícia da Aeronáutica de farda azul circulavam por ali. Driblei-os e fui para o avião que me esperava. Eram 20h, o céu estava nublado, entrei, fechei a porta e caminhei num corredor inclinado para cima até atingir a cabine. Sentei na poltrona do piloto, conferi todos os instrumentos, não dava para enxergar nada à frente por causa da inclinação do bico em relação ao solo, passei para o lado do copiloto, mexi nos botões, puxei e empurrei o manche, pisei nos pedais pesados, verifiquei os botões de teto. Eu era o comandante daquela máquina.
De repente ouvi raios e logo caiu uma chuva fortíssima.
Depois de fuçar em tudo, resolvi colocar algumas almofadas no piso inclinado e deitar. Dormi sentindo aquele cheiro de óleo com gasolina de avião penetrando em minhas narinas. Acordei às 5h30min, despedi do 2015 com um abraço no painel e um beijo no manche esquerdo e fui para o alojamento. Nunca ninguém soube disso, ficou um pacto de amor meu e do 2015 FAB para o resto de nossas vidas.
Poucos tiveram o privilégio que tive de passar à noite protegido da chuva e das intempéries da natureza, por um avião que levou os aliados a vitória contra Hitler em 1945.
Entrei na FAB pelo amor que tinha e ainda tenho pelo eterno Douglas C-47.
PS1: O capitão-aviador Eduardo Gomes chegou ao posto de brigadeiro do ar e é o Patrono do CAN- Correio Aéreo Nacional-FAB. Foi candidato a presidente da República do Brasil.
PS2: O coronel-aviador José Hélio Macedo de Carvalho faleceu no comando do C-115 Buffalo que se acidentou em Ponta Porã-MT e seu copiloto também falecido era meu amigo de Círculo Militar, domingueiras e futebol de salão primeiro tenente-aviador Wagner.
Coluna de JPassarelli
Voando Padrão
Cmte José Passarelli
Engenheiro Cívil
Professor Universitário
Instrutor de Navegação Aérea,
Teoria de Voo e Aerodinâmica em Voo em Escolas de Aviação Civil.
Escreve voluntariamente para o site AeroJota.
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