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FAB 1331 Um Parceiro / Piloto Ruy Flemming

Passamos poucas e boas juntos.

Um parceiro

Passamos poucas e boas juntos e ele nunca me deixou na mão.
Cruzamos o Brasil de ponta a ponta. Passamos frio no Sul do país, calor infernal em Teresina – PI, voamos sobre as belas praias nordestinas, sobre a Selva Amazônica por horas seguidas.
Visitamos diversos países, América do Sul, Central, fomos até o Canadá, fizemos dezenas de demonstrações nos Estados Unidos, onde fomos elogiados por nossa performance.

Ele era incansável.
Sempre me tratou muito bem.
Mesmo quando pegávamos uma tempestade durante uma viagem, daquelas que urubu não tem coragem de voar e vai a pé para o lixo, ele chacoalhava de um lado para o outro, o motor rugia, mas continuava firme e forte achando tudo muito engraçado. Ele me passava tranqüilidade, era como se me dissesse: Já já passa! E era assim mesmo, depois da turbulência abria aquele imenso céu azul e vinha uma sensação gostosa de paz.

Ele não era meu. Mesmo porque o fato de ter meu nome estampado na fuselagem não me dava a propriedade.

Ele era meu parceiro e entre parceiros não existe propriedade, existe cumplicidade.

Éramos cúmplices.Às vezes eu penso que se não fosse o FAB 1331, minha passagem pela Esquadrilha da Fumaça não teria sido tão prazerosa.

Tinha ciúmes quando algum outro piloto voava com ele, o cara vinha reclamar, dizia que ele puxava para a direita nas picadas de alta velocidade.

Que nada! O fato é que ele não estava gostando do modo como estava sendo pilotado.

Eu também preferia não pilotar outros aviões. Sentia que faltava alguma coisa, conhecia todas as suas manhas, todas suas vontades, sabia como é que ele gostava de ser tratado, conhecia detalhadamente a velocidade de giro para entrar no voo de dorso, sabia exatamente quanto eu tinha que compensar para ficar de cabeça para baixo, quanta potência eu tinha que usar para girar um tunô com os alas invertidos.
E como ele gostava de fazer parafusos! Para a direita, para a esquerda, sempre precisos e suaves! O Lancevaque então, era uma de suas manobras prediletas, fazia um e já saia pedindo bis.
Era muito valente o FAB 1331.
Quando, depois de uma demonstração as pessoas vinham dizer que o voo havia sido bom, que os aviões estavam perfeitamente simétricos, eu dava uma olhadinha pra ele sorrindo.

Nós dois formávamos um grande time!
Falando assim, não dá pra imaginar o quanto a gente se dava bem. Dá só pra ter uma leve noção. Parece até que ele sabia toda a seqüência de manobras de cor e salteado. A impressão que eu tinha é que ele já ia se ajeitando para a próxima cambalhota.
Depois do voo eu dava uns tapinhas no seu nariz como forma de carinho e agradecendo por ter trabalhado de forma tão impecável. No voo seguinte, ele retribuía, comportando-se de maneira ainda mais dócil.
Ficava triste ao vê-lo no hangar, todo descarenado, fazendo algum tipo de manutenção. Apesar de sempre ter sido muito bem tratado pela equipe de mecânicos, o lugar dele não era ali, ele não se sentia bem no chão. O Sargento Jayme, porém, dava todos os mimos para ele, afinal, era o responsável por sua saúde e também tinha seu nome estampado na fuselagem.

Suas linhas aerodinâmicas maravilhosas convidam para o voo. Aliás, o 1331 era o mais bonitos dos Tucanos da FAB!
A vocação dele era estar lá encima, voando, usando toda a potência dos seus 750 cavalos, puxando G positivo e negativo, em perfeita harmonia com os outros Tucano, formando um bando simétrico e arrancando suspiros do povo lá embaixo.
Um dia a gente teve que se separar.
Os pilotos ficam no máximo quatro anos.
Os aviões podem ficar bem mais tempo.

A despedida foi uma festa alegre, digna dos momentos especiais que passamos juntos. Foi no Campo de Marte, em São Paulo, quando tivemos a oportunidade de rever vários dos amigos que nos acompanharam nessa fase ímpar da minha carreira de aviador. Meus filhos posaram para fotos em cima de suas asas e brincaram como se ele fosse um playground, certamente agradecidos pelo tratamento dispensado ao pai deles no período em que voou na Esquadrilha da Fumaça, voltando sempre pra casa. Eu acho que a Bel morria de ciúmes dele.

Quando tomei a decisão de deixar a Força Aérea Brasileira, me perguntaram qual era a sensação de sair e aceitar novos desafios.
A resposta é bastante óbvia: um sentimento de perda que se resume à ausência dos amigos. Eles são tantos e tão especiais que não seria possível relacionar todos aqui. A lista seria enorme e eu correria o risco de esquecer algum. O conforto é saber que a gente vai continuar a se encontrar nas aerovias da vida.

Um desses amigos, porém, foi muito especial: meu bom e velho parceiro, o FAB 1331.
Hoje nossa convivência faz parte de um passado que eu gosto de recordar.
As lembranças dele resumem-se a fotos, filmes e uma maquete que ocupa um lugar especial na minha casa.
Agradeço a cada pessoa da Embraer pelo carinho, dedicação e competência em criar um avião que virou um verdadeiro mito por aqui.
O Tucano é um avião incrível! O 1331 é o melhor deles!
Ruy Flemming

Coletivo prá cima. Cíclico á frente!
Piloto de Helicóptero Ruy Flemming, Coronel Aviador da Reserva da Força Aérea Brasileira.

Formou-se na Academia da Força Aérea Brasileira – AFA

Piloto do 1º Esquadrão de Instrução Aérea da AFA – 1º EIA, das Aeronaves T-25 e T-27 Tucano, formando centenas de Pilotos Militares na Academia
Piloto de Helicóptero Bell UH-1H do 2º/10º Gav – Busca e Salvamento – SAR –
Piloto da Esquadrilha da Fumaça entre os anos de 1992 e 1995 como #3 Ala Esquerda e #7 Isolado
Piloto de Helicótpero Agusta 109
Ex-Diretor da ABRAPHE – Associação de Brasileira de Pilotos de Helicópteros

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