Fechamento do Aeroclube de Guaratinguetá um alerta sobre a crise dos aeroclubes no Brasil
Como o fechamento do Aeroclube de Guaratinguetá revela um legado interrompido
Fundado em 15 de julho de 1940, o Aeroclube de Guaratinguetá se consolidou ao longo de 85 anos como um dos pilares da aviação civil no Vale do Paraíba. Suas atividades formaram gerações de pilotos, comissárias, mecânicos de aeronaves e entusiastas da aviação, além de contribuírem decisivamente para a ocupação aeronáutica da cidade. Dessa forma, o aeroclube manteve viva uma cultura que antecede a própria aviação comercial regional.
Durante décadas, a instituição operou sob contratos firmados com o Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (DAESP), extinto em abril de 2022, e com a Prefeitura de Guaratinguetá. Esses instrumentos garantiram o uso legítimo do hangar e das instalações, o que reforçou sua presença histórica dentro do aeroporto.
Fechamento do Aeroclube de Guaratinguetá após a concessão
Em 1º de abril de 2022, a administração do Aeroporto Edu Chaves passou para a concessionária privada vencedora da licitação estadual. A concessionária assumiu o local com a promessa de investir mais de R$ 10 milhões em obras, dentro de um pacote de R$ 266,5 milhões previsto para os aeroportos do Bloco Sudeste. Embora outros aeroportos do lote tenham recebido melhorias, não há confirmações públicas sobre obras significativas concluídas em Guaratinguetá.
Poucos meses depois, em 25 de outubro de 2022, ocorreu o voo inaugural da Azul Conecta, que marcou o lançamento da “Rota da Fé”. Diversas autoridades participaram desse voo inaugural. Entre elas estavam o prefeito Marcus Soliva, a primeira-dama Andréa Évora Soliva, o vice-prefeito Régis Yasumura, o presidente da concessionária, Marcel Moure, o gerente comercial da Azul Conecta, Cesar Merigo, representantes do governo estadual e líderes religiosos ligados ao Santuário de Frei Galvão. Além disso, o arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, esteve presente no aeroporto para acompanhar a chegada da aeronave.
Com esse anúncio, surgiu a expectativa de que Guaratinguetá receberia voos regulares. No entanto, essa promessa nunca saiu do papel. Três anos depois, o município guarda apenas a lembrança desse evento inaugural, que não se transformou em operação contínua.
O fechamento do Aeroclube de Guaratinguetá e o início do conflito
Ainda em 2022, logo após assumir a gestão, a concessionária notificou o aeroclube para desocupar sua área. A empresa alegou vencimento contratual e necessidade de reorganizar o sítio aeroportuário. Em resposta, o aeroclube apresentou seus contratos antigos com o DAESP e com a Prefeitura, afirmando que esses documentos garantiam o direito de permanência. Além disso, a instituição destacou que a renovação deveria ser negociada, e não simplesmente imposta.
Apesar disso, em 22 de agosto de 2022, a concessionária ingressou com ação de reintegração de posse para assumir todas as instalações. O processo avançou com rapidez e terminou com a ordem de desocupação. Dessa forma, o Aeroclube de Guaratinguetá — então com 85 anos de história — foi despejado e encerrou suas atividades. Segundo fontes ouvidas pelo AeroJota, a instituição precisou vender suas aeronaves e desmontar suas estruturas, restando apenas o CNPJ ativo.
Esse desfecho marcou o fechamento do Aeroclube de Guaratinguetá, interrompendo um legado que resistiu por quase nove décadas.
Fechamento do Aeroclube de Guaratinguetá e o estado atual do aeroporto
Quase três anos após a concessão, não surgiram confirmações públicas de obras estruturantes concluídas no aeroporto. Entre os problemas relatados por moradores, ex-integrantes do aeroclube e usuários da aviação geral aparecem:
- hangar do aeroclube com telhado danificado e infiltrações;
- pista com sinalização de solo apagada;
- pátio de aeronaves sem melhorias visíveis;
- terminal de passageiros anunciado, porém ainda inexistente.
Fontes enviaram fotos ao AeroJota e relataram deterioração das estruturas. Embora as imagens não tenham data, registros recentes do Google Maps confirmam a pista com marcações desgastadas e mostram um dos hangares com dano no telhado, semelhante ao visto nas fotos.
Assim, o voo inaugural de 2022 segue como o único marco operacional relevante desde a concessão. Depois desse evento, o aeroporto permanece praticamente inalterado, enquanto o aeroclube que movimentava o local não existe mais.
Por que aeroclubes incomodam tanto em concessões aeroportuárias?
O caso de Guaratinguetá não é isolado. Conflitos semelhantes surgiram nas cidades de Sorocaba, Marília, Jundiaí – que tenta remover a Associação Mata Ciliar para construir um Eco Hotel no local -, e em outros aeroportos concedidos. Frequentemente, aeroclubes aparecem como ocupações “incompatíveis” com o desenvolvimento. Contudo, essa visão contrasta com a realidade do setor.
Afinal, não existe aviação comercial sem aviação geral, e não existe aviação geral sem aeroclubes. Essas instituições formam:
- pilotos em início de carreira,
- comissários,
- instrutores,
- mecânicos,
- e toda a base técnica responsável por manter a aviação brasileira operando.
Por isso, aeroclubes representam a base que sustenta a indústria aeronáutica.
Risco nacional: a crise silenciosa que ameaça o futuro
Hoje, estimativas de dirigentes e entidades apontam que cerca de 36 aeroclubes brasileiros enfrentam:
- ameaça de despejo,
- judicialização,
- ações de reintegração de posse,
- ou pressão direta de concessionárias, prefeituras e até da Infraero.
Caso essa situação avance sem solução, o país poderá enfrentar um risco inédito. Até 2030, aeroportos podem ter infraestrutura renovada, mas não contarão com pilotos suficientes, porque os aeroclubes que formariam esses profissionais podem não existir mais.
A aviação comercial já convive com escassez de pilotos. Além disso, muitos militares continuam migrando para companhias aéreas, enquanto pilotos brasileiros seguem sendo contratados por empresas de outros países. Com a redução da formação civil, o Brasil pode ser obrigado a importar pilotos, algo difícil de imaginar há alguns anos.
O dano é irreparável — e ninguém será responsabilizado
O Aeroclube de Guaratinguetá sobreviveu a guerras, crises econômicas, mudanças políticas e transformações profundas da aviação brasileira. No entanto, não resistiu ao conjunto formado por judicialização, falta de diálogo, promessas não cumpridas, burocracia e ausência de apoio político.
Mesmo que a Justiça permita a retomada das atividades, o dano já se consolidou:
- alunos se perderam ao longo do processo;
- aeronaves foram dispersas;
- a comunidade se desfez;
- e o patrimônio histórico permanece abandonado.
E o que mais assusta é que nenhum CPF ou CNPJ será responsabilizado pelo desmonte do Aeroclube de Guaratinguetá. Assim, o fechamento do Aeroclube de Guaratinguetá apaga um legado de 85 anos — e o país perde muito mais do que imagina.
Quer levar um pedacinho da história da aviação para casa? Confira o Classificados Aeronáutico AEROJOTA com souvenirs, colecionáveis e decorativos exclusivos. Acesse agora: www.aerojota.com.br e descubra raridades que fazem qualquer apaixonado por aviação decolar de emoção!