Por que a função social dos aeroclubes brasileiros é ignorada enquanto eles fazem o que o Estado não faz
A verdadeira função social dos aeroclubes brasileiros e o papel que eles cumprem há décadas
Nos últimos meses, um debate silencioso, mas recorrente, passou a ganhar espaço nos bastidores da aviação brasileira: afinal, os aeroclubes concorrem com escolas de aviação particulares e empresas do setor? A dúvida surgiu à medida que algumas entidades privadas e concessionárias começaram a questionar atividades tradicionais dos aeroclubes, como hangaragem simples, venda de combustível em pequena escala e serviços básicos de manutenção.
Diante desse cenário, tornou-se necessário esclarecer um ponto essencial: a função social dos aeroclubes brasileiros e o papel que essas instituições desempenham há décadas na formação aeronáutica, no serviço comunitário e na preservação da cultura da aviação no país.

Como aeroclubes sustentam serviços essenciais sem fins lucrativos
Os aeroclubes brasileiros enfrentam, há décadas, o desafio de sustentar a formação aeronáutica pública após o fim dos subsídios federais na década de 1990. Desde então, a função social dos aeroclubes brasileiros se tornou ainda mais evidente, porque essas instituições — assim como APAEs, Rotary Clubs e outras entidades sem fins lucrativos — precisaram criar mecanismos próprios de arrecadação para manter atividades reconhecidas como de interesse público. Além disso, embora atuem em setores distintos, todas compartilham um dilema comum: como financiar serviços educacionais, sociais e comunitários quando o apoio estatal é reduzido ou inexistente?
Eventos comunitários como instrumento tradicional de manutenção
Assim como entidades sociais realizam jantares, rifas e bazares, os aeroclubes também recorrem a iniciativas semelhantes para complementar sua receita. Historicamente, essas ações incluem:
– festas aéreas e Air Shows
– rifas para custear manutenção e combustível
– jantares e almoços beneficentes
– shows e eventos culturais em hangares
– dias de portas abertas
– campanhas de arrecadação e ações sociais
Essas atividades têm caráter comunitário, não empresarial, e ajudam a preservar a continuidade de um serviço educacional reconhecido pelo Código Brasileiro de Aeronáutica. Por isso, não se tratam de operações comerciais típicas, mas de iniciativas de apoio institucional, assim como ocorre com APAEs e Rotarys.
Aeroclubes são entidades sem fins lucrativos e funcionam como escolas públicas de aviação
Por natureza jurídica, estatuto e tradição institucional, aeroclubes não têm finalidade empresarial. Consequentemente, a receita obtida é reinvestida em:
– formação de pilotos / Comissárias / Mecânicos
– bolsas de estudo
– aeronaves de instrução
– oficinas técnicas / Manutenção
– ações comunitárias
– manutenção da infraestrutura educacional
Eles operam como centros públicos de formação aeronáutica, e não como empresas privadas voltadas ao lucro. Dessa forma, atividades como hangaragem, manutenção básica ou venda de combustível são classificadas como atividades-meio, necessárias à sustentabilidade, mas não configuram concorrência em sentido empresarial.
Da mesma forma que um jantar beneficente da APAE não concorre com restaurantes, a hangaragem simples de um aeroclube não compete com hangares corporativos privados. Nesse contexto, a função dessas entidades é essencialmente educacional.
Estrutura modesta: hangares cheios, oficinas básicas e combustível em pequena escala
A realidade operacional dos aeroclubes, na prática, confirma sua natureza não empresarial.
- Hangares simples e apertados
São estruturas antigas, com espaço limitado e voltadas apenas ao abrigo básico de aeronaves. Por isso, não oferecem padrão corporativo nem capacidade comercial comparável ao setor privado. - Oficinas essenciais, não comerciais
As oficinas mantêm estrutura básica, com foco quase exclusivo nas aeronaves da própria escola e eventuais aeronaves de aeroclubes vizinhos. Portanto, não são oficinas comerciais do tipo MRO, sigla utilizada internacionalmente para definir empresas especializadas em manutenção profunda, revisão geral e overhaul de aeronaves. Assim, o trabalho realizado pelos aeroclubes é técnico, porém limitado, e não se compara ao de uma empresa certificada para serviços complexos. - Combustível para consumo próprio
A venda, quando existe, ocorre em pequena escala e apoia principalmente as operações de instrução. Assim, trata-se de instrumento de controle de custos, não de atividade comercial competitiva.
Esses fatores reforçam que as atividades realizadas pelos aeroclubes possuem caráter complementar e não representam disputa econômica com empresas privadas.
Exemplos reais: quando aeroclubes fortalecem o desenvolvimento do setor
A convivência entre aeroclubes e empresas privadas sempre existiu no Brasil, muitas vezes de forma colaborativa. Um exemplo claro disso ocorre em Itápolis: o aeroclube manteve seu papel educacional com estrutura modesta, enquanto a EJ Escola de Aviação — hoje a maior escola da América Latina — cresceu ao seu lado sem qualquer indicativo de conflito ou prejuízo recíproco.
Esse exemplo demonstra que aeroclubes costumam nutrir o ambiente aeronáutico, formando mão de obra e cultura setorial que frequentemente abastecem escolas maiores, empresas e companhias aéreas. Além disso, é amplamente documentado no setor o fenômeno tradicional da troca de trabalho por formação, no qual alunos atuam como mecânicos auxiliares, ajudantes de pista, instrutores ou colaboradores voluntários para custear horas de voo.
Essa prática histórica consolida o caráter social dos aeroclubes e, consequentemente, fortalece a formação de profissionais que mais tarde migram para diversos segmentos da aviação.
Atuação comunitária e educacional: um impacto que vai além da instrução
Além da formação aeronáutica, os aeroclubes desenvolvem funções sociais relevantes, como:
– missões de emergência e apoio em calamidades
– transporte comunitário de médicos ou suprimentos
– ações de inclusão educacional
– visitas escolares e campanhas locais
– preservação de acervos históricos e aeronaves antigas
Portanto, esse conjunto de atividades reforça que a atuação dos aeroclubes não é empresarial, mas social, educacional e comunitária, apoiada em modelos de arrecadação semelhantes aos de entidades assistenciais.
Eventos sociais e atividades-meio: a mesma lógica de sustentabilidade
O princípio é o mesmo para qualquer entidade de interesse público:
– APAEs produzem pizzas e feijoadas
– Rotarys fazem jantares beneficentes
– escoteiros vendem chocolates
– aeroclubes realizam festas aéreas, rifas e pequenas atividades acessórias
Em todos esses casos, trata-se de ações de apoio, não de competição comercial. Assim, o objetivo é garantir a continuidade de um serviço essencial sem fins lucrativos.
Conclusão
Quando os subsídios públicos foram encerrados nos anos 1990, os aeroclubes precisaram recorrer às mesmas soluções de arrecadação utilizadas por outras entidades sociais brasileiras. Por isso, a lógica é simples:
APAE não é restaurante.
Rotary não é pizzaria.
Aeroclube não é empresa aeronáutica.
Mas todos dependem da própria comunidade para manter serviços que atendem ao interesse público.
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