Medo de voar. Voo noturno sobre a Cordilheira dos Andes.
Nossa cura não convencional para esse mal moderno debilitante é enfiar em sua bagagem de mão o relato de um piloto lutando para manter o controle de um frágil aviãozinho de dois lugares, pego em um ciclone no rumo da Patagônia para Buenos Aires com uma carga de correio destinada à Europa: o arrepiante ‘Voo Noturno’, de Antoine de Saint- Exupéry.
Fabien, o piloto do avião-correio, casou-se há apenas três semanas. Quando sua esposa se levanta na escuridão da madrugada para dar-lhe um beijo de despedida, ela admira na roupa de couro de piloto e vê alguém que é quase um Deus: ali está um homem capaz de lutar com os próprios elementos.
No momento em que o controle de voo detecta a tempestade vinda do Atlântico, é tarde demais. Em algum lugar sobre os Andes, Fabien é cercado, e não tem como retornar.
Com a visibilidade reduzida a zero, ele não tem escolha senão manter-se firme na minúscula cabine de comando, com a aeronave rolando e sacudindo naquele imenso mar de breu.
Ele precisa de toda a sua força para manter os controles estáveis, de modo que os cabos estaiados não se rompam. Atrás dele, o operador de rádio recebe choques elétricos nos dedos quando tenta transmitir uma mensagem.
Ninguém consegue ouvi-los, ninguém consegue vê-los. Os picos frios dos Andes surgem à frente como enorme ondas que tentam puxá-los para a morte.
Você, enquanto isso- sim, você, lendo ‘Voo Noturno’ dentro da cabine climatizada de seu Boeing 747-400 subindo para atingir a altitude de 40 mil pés (12 km), com um cobertor sobre os joelhos, sua água tônica cuidadosamente colocada na mesinha à frente e comissárias bonitas e sorridentes, passando pelo corredor ao lado, a voz jovial do comandante anunciando calmamente que já está nivelado em quarenta mil pés de altitude, seu dedo levantando a proteção da janela para admirar o círculo baixo do sol…Hein, o que você disse? ‘Morrendo de medo?’ Verdade? Como Fabien ficaria feliz em ouvir isso!
Se seu coração insiste em bater forte, deixe-o vibrar por Fabien e seu controlador de rádio, pela aflita esposa esperando ao lado do telefone. Ou, se preferir, deixe bater forte pelo próprio aviador e escritor Saint-Exupéry, que desapareceu em 1944 enquanto voava sobre o norte da África.
Agora volte para o livro, beba essa água-tônica e trate de se acomodar, bom voo sobre os Andes, é inesquecível!
Coluna de JPassarelli.
Cmte José Passarelli:
Engenheiro Cívil;
Professor Universitário;
Instrutor de Navegação Aérea;
Teoria de Vôo e;
Aerodinâmica em Vôo em Escolas de Aviação Civil.
Escreve voluntariamente para o site AeroJota.
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