Perseguição aos aeroclubes no Brasil ameaça a formação de pilotos
Pressão contra aeroclubes brasileiros gera reação nacional e mobiliza o setor aéreo
A perseguição aos aeroclubes no Brasil ameaça um dos pilares da aviação civil. Essas instituições sem fins lucrativos, que há mais de oito décadas formam pilotos e difundem a cultura aeronáutica, vivem uma fase crítica. Decisões administrativas, disputas fundiárias e ações de concessionárias transformaram a sobrevivência dessas entidades em uma luta desigual. Assim, o país corre o risco de perder parte essencial de sua história e de sua capacidade de formar novos profissionais.
O papel histórico e social dos aeroclubes
Os aeroclubes estão presentes na aviação brasileira desde 1911, quando Alberto Santos Dumont fundou o Aeroclube do Brasil. Desde então, tornou-se referência em ensino e difusão da aviação civil. Diferentemente das escolas privadas, os aeroclubes nasceram com vocação social, oferecendo cursos de qualidade a custos acessíveis e sustentados por trabalho voluntário.
Além do ensino de pilotos, essas instituições realizam missões de interesse público. Elas apoiam operações de Defesa Civil, participam de ações aeromédicas, combatem incêndios e auxiliam em resgates. Também preservam acervos e estruturas históricas, funcionando, portanto, como museus vivos da aviação nacional. Em muitos casos, são as únicas referências aeronáuticas de suas regiões.
Contribuição ao desenvolvimento da aviação nacional
Durante as décadas de 1930 e 1940, os aeroclubes foram essenciais para o desenvolvimento da infraestrutura aérea do país. O governo de Getúlio Vargas utilizou suas estruturas para criar escolas e aeroportos, formando os pilotos civis que foram decisivos para difundir a cultura aeronáutica e abastecer a aviação geral. Graças a essa rede, o Brasil conseguiu integrar territórios distantes e estabelecer companhias que impulsionaram o transporte aéreo nacional.
Até hoje, os aeroclubes funcionam como verdadeiros “SENAIs da aviação”. Oferecem cursos de piloto privado, piloto comercial, instrutor de voo, mecânico aeronáutico e comissário de bordo. Dessa forma, sustentam a base profissional da aviação civil e executiva, garantindo a renovação constante da mão de obra técnica.
Missão pública e fomento à aviação
Desde a origem, os aeroclubes foram reconhecidos como prestadores de serviço público. Durante décadas, convênios federais garantiram bolsas para a formação de pilotos, democratizando o acesso à aviação. Mesmo com o fim desses subsídios, as entidades seguiram cumprindo seu papel social, mantendo atividades com recursos próprios. Durante a pandemia, inclusive, a ANAC classificou oficialmente suas funções como essenciais.
A Lei nº 11.182/2005, que criou a ANAC, determinou que o órgão deveria fomentar a aviação civil. O Plano Nacional de Aviação Civil (PNAC), publicado em 2009, reforçou a importância do setor, deixando claro que não há aviação comercial forte sem uma aviação geral consolidada. E, consequentemente, não há aviação geral sem aeroclubes ativos e bem estruturados.
O início da perseguição aos aeroclubes no Brasil
Apesar de sua relevância histórica, a ANAC mudou de postura. A agência passou a tratar os aeroclubes como ameaça à livre concorrência, iniciando uma série de ações que se transformaram em perseguição aos aeroclubes no Brasil. O ponto de virada ocorreu, quando a ANAC alegou que os aeroclubes criavam concorrência desleal ao setor privado ao prestarem serviços de manutenção e hangaragem, previstos no antigo regulamento RBHA 140.
Entretanto, a justificativa ignora a realidade da aviação regional. Em muitos municípios, o aeroclube ainda é a única estrutura operacional existente. Com pistas de grama, hangares simples e recursos limitados, eles mantêm viva a presença da aviação em locais onde o Estado é praticamente ausente. Mesmo assim, passaram a ser tratados como inimigos do setor.
O desmonte jurídico e os despejos
Após essa audiência, a ANAC passou a questionar as portarias do Comando da Aeronáutica que garantiam a permanência dos aeroclubes em áreas aeroportuárias. Essa mudança abriu espaço para que concessionárias cobrassem valores abusivos de aluguel ou exigissem a saída das entidades.
Logo depois, revogou o RBHA 140 e encerrou as garantias legais que protegiam os aeroclubes. A partir daí, iniciou-se um processo de desocupação em massa. Entidades que haviam construído pistas, hangares e salas de aula foram expulsas dos próprios locais que ajudaram a erguer. Assim, a história da aviação civil brasileira começou a ser desmontada. Essa situação representa, mais uma vez, os efeitos diretos da perseguição aos aeroclubes no Brasil.
A onda de extinções
Atualmente, cerca de 30% dos aeroclubes brasileiros enfrentam risco de extinção. Entre eles estão o Aeroclube do Brasil, fundado por Santos Dumont, e o Aeroclube de Marília, berço da antiga TAM. Casos semelhantes se repetem em Sorocaba, Guaratinguetá, Brasília, Canela, Uberaba e diversas outras cidades.
Essa situação viola os princípios de continuidade do serviço público e modicidade tarifária previstos na Lei nº 8.987/1995. Mesmo assim, as ações continuam. Dessa forma, atividades de ensino e preservação histórica tornam-se economicamente inviáveis, comprometendo a formação de novos pilotos e o acesso popular à aviação.
Patrimônio cultural e identidade aeronáutica
Os aeroclubes representam um patrimônio cultural inestimável. O Aeroclube de São Paulo, fundado em 1931, é o mais antigo em operação e símbolo da história da aviação brasileira. Já o Aeroclube de Marília é lembrado por dar origem a uma das maiores companhias aéreas da América Latina.
Essas entidades mantêm viva a relação entre a sociedade e o universo do voo. Elas promovem eventos, atraem jovens e mantêm acesa a chama da curiosidade aeronáutica. Portanto, destruí-las é apagar a memória e enfraquecer a identidade da aviação nacional. Por isso, combater a perseguição aos aeroclubes é também preservar a história da aviação.
Consequências da destruição
A extinção dos aeroclubes ameaça a base de toda a cadeia aérea. Sem essas escolas, o Brasil enfrentará escassez de pilotos e mecânicos nos próximos anos. Além disso, o aumento de custos das escolas privadas limitará o acesso de novos alunos, restringindo a formação a uma pequena parcela da população.
O impacto também será sentido na segurança operacional. Com menos profissionais bem formados, o risco de falhas humanas cresce. Até a própria Força Aérea Brasileira poderá ser afetada, já que muitos de seus candidatos iniciam a carreira após visitarem aeroclubes.
Reação do setor e mobilização nacional
Diante desse cenário, o Aeroclube de Marília, com apoio do deputado estadual Tenente Coimbra, organiza uma audiência pública na ALESP em 13 de novembro de 2025. O evento reunirá 45 aeroclubes paulistas e representantes de outros estados para discutir medidas de proteção e pressionar o poder público.
Entre as propostas estão o tombamento histórico das sedes, a reforma do Código Brasileiro de Aeronáutica, a declaração de servidão administrativa e a exclusão das áreas dos aeroclubes dos contratos de concessão. Essas ações buscam preservar a aviação de base e impedir a perda definitiva de um patrimônio construído por gerações.
Sem políticas públicas concretas, o país pode perder a base que sustenta toda a aviação civil. Proteger os aeroclubes é preservar a história, a segurança e o futuro do voo no Brasil. Assim, enfrentar a perseguição aos aeroclubes no Brasil é garantir que a aviação continue sendo um símbolo de desenvolvimento e integração nacional.
Por: Jolando Gatto Netto
Diretor de Segurança de Voo do Aeroclube de Marília
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