Caça às Bruxas contra Aeroclubes no Brasil ameaça a formação de pilotos

Jota

15 de outubro de 2025

Perseguicao-aos-aeroclubes-no-Brasil-ameaca-a-formacao-de-pilotos_Imagem-Ilustrativa

A perseguição aos aeroclubes no Brasil ameaça um dos pilares da aviação civil. Essas instituições sem fins lucrativos, que há mais de oito décadas formam pilotos e difundem a cultura aeronáutica, vivem uma fase crítica. Decisões administrativas, disputas fundiárias e ações de concessionárias transformaram a sobrevivência dessas entidades em uma luta desigual. Assim, o país corre o risco de perder parte essencial de sua história e de sua capacidade de formar novos profissionais.

Perseguicao-aos-aeroclubes-no-Brasil-ameaca-a-formacao-de-pilotos_Imagem-Ilustrativa
Perseguicao-aos-aeroclubes-no-Brasil-ameaca-a-formacao-de-pilotos_Imagem-Ilustrativa

Os aeroclubes estão presentes na aviação brasileira desde 1911, quando Alberto Santos Dumont fundou o Aeroclube do Brasil. Desde então, tornou-se referência em ensino e difusão da aviação civil. Diferentemente das escolas privadas, os aeroclubes nasceram com vocação social, oferecendo cursos de qualidade a custos acessíveis e sustentados por trabalho voluntário.

Além do ensino de pilotos, essas instituições realizam missões de interesse público. Elas apoiam operações de Defesa Civil, participam de ações aeromédicas, combatem incêndios e auxiliam em resgates. Também preservam acervos e estruturas históricas, funcionando, portanto, como museus vivos da aviação nacional. Em muitos casos, são as únicas referências aeronáuticas de suas regiões.

Durante as décadas de 1930 e 1940, os aeroclubes foram essenciais para o desenvolvimento da infraestrutura aérea do país. O governo de Getúlio Vargas utilizou suas estruturas para criar escolas e aeroportos, formando os pilotos civis que foram decisivos para difundir a cultura aeronáutica e abastecer a aviação geral. Graças a essa rede, o Brasil conseguiu integrar territórios distantes e estabelecer companhias que impulsionaram o transporte aéreo nacional.

Até hoje, os aeroclubes funcionam como verdadeiros “SENAIs da aviação”. Oferecem cursos de piloto privado, piloto comercial, instrutor de voo, mecânico aeronáutico e comissário de bordo. Dessa forma, sustentam a base profissional da aviação civil e executiva, garantindo a renovação constante da mão de obra técnica.

Desde a origem, os aeroclubes foram reconhecidos como prestadores de serviço público. Durante décadas, convênios federais garantiram bolsas para a formação de pilotos, democratizando o acesso à aviação. Mesmo com o fim desses subsídios, as entidades seguiram cumprindo seu papel social, mantendo atividades com recursos próprios. Durante a pandemia, inclusive, a ANAC classificou oficialmente suas funções como essenciais.

A Lei nº 11.182/2005, que criou a ANAC, determinou que o órgão deveria fomentar a aviação civil. O Plano Nacional de Aviação Civil (PNAC), publicado em 2009, reforçou a importância do setor, deixando claro que não há aviação comercial forte sem uma aviação geral consolidada. E, consequentemente, não há aviação geral sem aeroclubes ativos e bem estruturados.

Apesar de sua relevância histórica, a ANAC mudou de postura. A agência passou a tratar os aeroclubes como ameaça à livre concorrência, iniciando uma série de ações que se transformaram em perseguição aos aeroclubes no Brasil. O ponto de virada ocorreu, quando a ANAC alegou que os aeroclubes criavam concorrência desleal ao setor privado ao prestarem serviços de manutenção e hangaragem, previstos no antigo regulamento RBHA 140.

Entretanto, a justificativa ignora a realidade da aviação regional. Em muitos municípios, o aeroclube ainda é a única estrutura operacional existente. Com pistas de grama, hangares simples e recursos limitados, eles mantêm viva a presença da aviação em locais onde o Estado é praticamente ausente. Mesmo assim, passaram a ser tratados como inimigos do setor.

Após essa audiência, a ANAC passou a questionar as portarias do Comando da Aeronáutica que garantiam a permanência dos aeroclubes em áreas aeroportuárias. Essa mudança abriu espaço para que concessionárias cobrassem valores abusivos de aluguel ou exigissem a saída das entidades.

Logo depois, revogou o RBHA 140 e encerrou as garantias legais que protegiam os aeroclubes. A partir daí, iniciou-se um processo de desocupação em massa. Entidades que haviam construído pistas, hangares e salas de aula foram expulsas dos próprios locais que ajudaram a erguer. Assim, a história da aviação civil brasileira começou a ser desmontada. Essa situação representa, mais uma vez, os efeitos diretos da perseguição aos aeroclubes no Brasil.

Atualmente, cerca de 30% dos aeroclubes brasileiros enfrentam risco de extinção. Entre eles estão o Aeroclube do Brasil, fundado por Santos Dumont, e o Aeroclube de Marília, berço da antiga TAM. Casos semelhantes se repetem em Sorocaba, Guaratinguetá, Brasília, Canela, Uberaba e diversas outras cidades.

Essa situação viola os princípios de continuidade do serviço público e modicidade tarifária previstos na Lei nº 8.987/1995. Mesmo assim, as ações continuam. Dessa forma, atividades de ensino e preservação histórica tornam-se economicamente inviáveis, comprometendo a formação de novos pilotos e o acesso popular à aviação.

Os aeroclubes representam um patrimônio cultural inestimável. O Aeroclube de São Paulo, fundado em 1931, é o mais antigo em operação e símbolo da história da aviação brasileira. Já o Aeroclube de Marília é lembrado por dar origem a uma das maiores companhias aéreas da América Latina.

Essas entidades mantêm viva a relação entre a sociedade e o universo do voo. Elas promovem eventos, atraem jovens e mantêm acesa a chama da curiosidade aeronáutica. Portanto, destruí-las é apagar a memória e enfraquecer a identidade da aviação nacional. Por isso, combater a perseguição aos aeroclubes é também preservar a história da aviação.

A extinção dos aeroclubes ameaça a base de toda a cadeia aérea. Sem essas escolas, o Brasil enfrentará escassez de pilotos e mecânicos nos próximos anos. Além disso, o aumento de custos das escolas privadas limitará o acesso de novos alunos, restringindo a formação a uma pequena parcela da população.

O impacto também será sentido na segurança operacional. Com menos profissionais bem formados, o risco de falhas humanas cresce. Até a própria Força Aérea Brasileira poderá ser afetada, já que muitos de seus candidatos iniciam a carreira após visitarem aeroclubes.

Diante desse cenário, o Aeroclube de Marília, com apoio do deputado estadual Tenente Coimbra, organiza uma audiência pública na ALESP em 13 de novembro de 2025. O evento reunirá 45 aeroclubes paulistas e representantes de outros estados para discutir medidas de proteção e pressionar o poder público.

Entre as propostas estão o tombamento histórico das sedes, a reforma do Código Brasileiro de Aeronáutica, a declaração de servidão administrativa e a exclusão das áreas dos aeroclubes dos contratos de concessão. Essas ações buscam preservar a aviação de base e impedir a perda definitiva de um patrimônio construído por gerações.

Sem políticas públicas concretas, o país pode perder a base que sustenta toda a aviação civil. Proteger os aeroclubes é preservar a história, a segurança e o futuro do voo no Brasil. Assim, enfrentar a perseguição aos aeroclubes no Brasil é garantir que a aviação continue sendo um símbolo de desenvolvimento e integração nacional.

Por: Jolando Gatto Netto
Diretor de Segurança de Voo do Aeroclube de Marília

Quer levar um pedacinho da história da aviação para casa? Confira o Classificados Aeronáutico AEROJOTA com souvenirs, colecionáveis e decorativos exclusivos. Acesse agora: www.aerojota.com.br e descubra raridades que fazem qualquer apaixonado por aviação decolar de emoção!