Câmara põe sigilo em voo da FAB para o “Gilmarpalooza” e reacende debate sobre privilégios com dinheiro público

Jota

5 de dezembro de 2025

Câmara põe sigilo em voo da FAB para o Gilmarpalooza_Imagem FAB
Voo da FAB para o Gilmarpalooza vira escândalo após Câmara decretar sigilo da lista de passageiros

A mais recente controvérsia sobre sigilo em voo da FAB para o Gilmarpalooza colocou novamente Brasília sob críticas intensas. A Câmara dos Deputados decidiu impor sigilo completo à lista dos 10 passageiros que embarcaram em um voo da FAB com destino a Buenos Aires, no dia 5 de novembro 2024, para o evento conhecido como Gilmarpalooza. O encontro reúne círculos jurídicos e acadêmicos ligados ao ministro Gilmar Mendes e virou sinônimo de prestígio entre autoridades.

Câmara põe sigilo em voo da FAB para o Gilmarpalooza_Imagem FAB
Câmara põe sigilo em voo da FAB para o Gilmarpalooza_Imagem FAB

Além disso, o voo teria sido solicitado pelo gabinete do então presidente da Câmara, Hugo Motta. Ele também estava a bordo, assim como o próprio Gilmar Mendes, segundo reportagens já publicadas. Apesar disso, a Câmara se recusou a divulgar oficialmente quem mais estava no avião, o que ampliou a sensação de opacidade no uso do dinheiro público.

A Câmara alegou “motivos de segurança” para esconder a lista de passageiros. No entanto, a justificativa soa frágil para especialistas em transparência e controle social. A Lei de Acesso à Informação (LAI) prevê sigilo apenas quando existe risco real e concreto à segurança nacional ou à integridade das pessoas envolvidas.

Nesse caso específico, o órgão não apresentou qualquer indicação objetiva de risco. Mesmo assim, decidiu blindar a informação e manteve a posição. Com isso, reforçou a percepção de que Brasília continua a operar sob um regime de privilégios, distante da realidade do cidadão comum.

Organizações como a Transparência Brasil classificaram a decisão como “injustificável e alarmante”. Para essas entidades, o uso de aeronaves militares para deslocamentos de autoridades, principalmente em agendas que misturam público e privado, exige clareza total sobre passageiros, custos e finalidade do voo. Assim, a negativa da Câmara se torna ainda mais problemática.

Embora o Gilmarpalooza seja divulgado como um fórum internacional de debates sobre Direito e democracia, não se trata de um evento oficial do governo brasileiro. O encontro tem caráter acadêmico e institucional, organizado por entidades ligadas ao ministro do STF, e não por órgãos públicos brasileiros.

Magistrados e autoridades que também participaram da mesma edição do evento optaram por voos comerciais, pagando do próprio bolso ou utilizando recursos de forma transparente. Já a Câmara preferiu acionar a FAB e usar recursos públicos para o deslocamento, sem esclarecer todos os detalhes. Dessa forma, o episódio acabou ganhando contornos de privilégio bancado pelo contribuinte.

Essa escolha reacende uma crítica antiga. Aeronaves da FAB voltam a aparecer como transporte VIP para agendas não oficiais, em vez de servirem apenas a missões de Estado, emergências e deslocamentos estritamente institucionais. A imagem para a sociedade é a pior possível: um clube fechado circulando em avião militar enquanto a maioria enfrenta tarifas caras, filas, conexões e atrasos.

Além dos fatos já informados oficialmente, surgiram informações preliminares e não confirmadas, citadas por veículos de imprensa e por bastidores políticos em Brasília. Essas informações ajudam a compor o contexto e aparecem aqui com a devida ressalva, justamente para não misturar hipótese com fato.

Algumas delas apontam que:

  • Parte dos passageiros seria composta por assessores e convidados ligados ao gabinete de Hugo Motta ou ao Gilmar Mendes;
  • Essa não teria sido a primeira vez que a Câmara classificou como sigilosas viagens de Hugo Motta relacionadas ao Gilmarpalooza. A mesma postura já teria ocorrido em uma edição anterior realizada em Lisboa;
  • A própria FAB, embora cumpra as ordens do órgão requisitante, teria recomendado cautela na justificativa do sigilo, para evitar conflito com regras de transparência previstas em decreto federal.

Nenhuma dessas informações foi confirmada oficialmente pela Câmara ou pela Força Aérea. Ainda assim, a insistência no sigilo reforça os questionamentos. A sociedade continua sem saber quem embarcou, qual foi a justificativa exata da viagem e por que o transporte precisou ser custeado pelos contribuintes.

Desde 2020, um decreto que regula voos de autoridades em aeronaves da FAB determina uma regra clara. Qualquer órgão requisitante deve esclarecer quem foram os passageiros transportados, caso algum cidadão ou instituição solicite a informação.

Na teoria, portanto, a lista deveria ser divulgada. Na prática, porém, a Câmara decidiu ignorar esse espírito de transparência. O comando da Casa criou a própria interpretação sobre o que seria “informação sensível” e usou esse argumento para blindar a lista.

O resultado concreto é o seguinte:

  • Autoridades viajam sem transparência;
  • Um voo militar atende a um evento privado, ainda que relevante no meio jurídico;
  • A lista de passageiros permanece secreta;
  • Não existe prestação de contas clara sobre o uso do avião;
  • A justificativa oficial não se sustenta com base no que prevê a legislação de acesso à informação.

Dessa forma, o decreto que deveria fortalecer a transparência acaba esvaziado pela prática política do dia a dia. A mensagem passada ao público é de que, quando o assunto envolve os poderosos, as regras sempre admitem uma “interpretação especial”.

Mais um capítulo da novela dos privilégios com dinheiro público

Para o cidadão comum, que paga impostos altos, enfrenta voos lotados e tarifas que pesam no orçamento, esse episódio tem um efeito devastador. A percepção de injustiça aumenta de maneira previsível. A sensação é de que existe um “Brasil oficial”, onde autoridades circulam em jatos militares com a conta paga pelo público, e um “Brasil real”, onde a população lida com cortes de serviços, filas e falta de transparência.

O chamado “estado de exceção permanente dos privilégios” ganha mais um capítulo. O voo secreto para o Gilmarpalooza se soma a uma longa lista de casos em que o poder público tratou recursos estatais como extensão de conveniências pessoais ou de grupos específicos.

Enquanto o sigilo persistir, a pergunta permanece aberta. O que há na lista de passageiros que a Câmara não quer que o público veja?
E, talvez mais grave do que isso, até quando o uso de aviões da FAB servirá a interesses pouco claros, em vez de servir, com transparência, ao interesse público que paga essa conta?

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