O voo restrititivo da Cordilheira dos Andes para aeronaves com helices.
“Pensar avião nos aproxima”
‘Sobrevoando a Cordilheira dos Andes’
Para milhares de pilotos de aeronaves a jato de última geração, atravessar a Cordilheira dos Andes para pousar em Santiago do Chile é uma operação corriqueira e relativamente simples. Mas, para quem voa aeronaves à hélices, o voo é mais restritivo, dadas as altas elevações do terreno e as limitações dos sistemas de pressurização e motorização dos aparelhos.
Pois bem, no último mês de agosto, fui convidado para efetuar um voo extra na empresa Skyscanner para o Chile, missão que seria executada em um avião EMB-120 Brasília, bimotor turbohélice.
Utilizando cartas Jeppensen como apoio oficial e, como extra oficial, cartas disponíveis em sites de meteorologia e navegação aérea dos governos argentino e chileno, que reúnem informações atualizadas, plotamos nossa navegação. A rota, entre São Paulo e Santiago do Chile, seria executada com duas escalas técnicas, uma no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre e a outra em Ezeiza, em Buenos Aires.
Para nós, o trecho que certamente exigiria mais atenção seria o final, entre a capital argentina e Santiago. Nessa etapa, atravessaríamos a Cordilheira dos Andes, já em descida para pouso no Aeroporto Internacional Arturo Merino Benitez. Entre Mendoza e Santiago, a STAR (Standard Terminal Arrival Route) prevê o sobrevoo da posição Umkal, onde o nível mínimo na aerovia é o FL260 (26.000 pés) (7.800 m), mesmo nível de cruzeiro que escolhemos. Algo preocupante para o caso de termos de em nosso turbohélice (bimotor), enfrentar a perda de um motor ou mesmo a despressurização da cabine.
O trecho mais crítico, entre Umkal e Santiago, é relativamente curto, com menos de 100 milhas náuticas (187 km). A rota, porém, é recheada de altíssimas elevações, incluindo o ponto mais alto das Américas, o Monte Aconcágua (Sentinela de Pedra), com 6.962 metros de altura. Por segurança, acabamos optando por uma rota alternativa, ainda muito utilizada por companhias aéreas quando há relatos de forte turbulência na área tradicional de descida.
Cruzaríamos os Andes com sobrevoo dos auxílios MLG (Malague) e ICO (Curicó), onde o MEA (Minimum Enroute Altitude) é mais baixa, com elevações em torno de 14.000 pés, e que seriam fáceis de gerenciar. Calculamos esse cruzamento com peso de aproximadamente 10.000 quilos.
Dessa forma, caso ocorresse uma emergência , poderíamos facilmente manter o FL140 (14.000 pés) até a posição Ankon para depois descer ao FL140 em ICO e voar na proa norte magnético, em direção a Santiago.
A melhor maneira de avaliar se há ou não forte turbulência sobre os Andes é acompanhar os ajustes de altímetro em Santiago e Mendoza. Uma diferença igual ou superior a 7 hectopascais indica cortantes de vento muito fortes.Felizmente, permitiram-me o copiloto.
Acabei chamando o Northon Mackenzie.
Basicamente, meu critério de escolha foi a nota da prova ANAC-ICAL para English Level e o fato de ele também ser influente em ingês (é americano), português e espanhol.
Certamente, isso facilitaria nosso contato por rádio com os órgãos de controle na Argentina e no Chile. Voamos com suporte de oxigênio durante quase o tempo todo, o ar é super rarefeito, você inspira e não vem nada.
Os primeiros dois trechos foram muito tranquilos. Chovia em Ezeiza. Reabastecemos e decolamos com 2.700 quilos de combustível. Os motores PW118A trabalharam maravilhosamente bem com o clima frio, e a aeronave saiu do solo com vr (velocidade de decolagem) de 116 nós e razão de subida de 1.600 pés por minuto.
Sem a presença de grandes formações ou turbulência, o voo transcorreu em total normalidade, o que nos permitiu executar a aproximação conforme o planejado.
Pousamos na pista 17L (170º em relação ao azimute do Norte Magnético) após quatro horas e e treze minutos de voo, com consumo total de 1.713 quilos de combustível.
A única coisa que me incomodou foi o tempo instável durante toda a viagem. O céu abre e parece que vai ficar ensolarado, ledo engano, após quinze minutos, ou talvez nem isso, chove, fica nublado, garoa, chove outra vez, garoa e começa tudo outra vez. É um ciclo constante que se abre e se fecha a todo instante, e eu ficava pensando em tudo que aprendi na aviação: Atrás de uma nuvem tem caroço!
Naquela perna comprida, você tem que voar com as cotas de altitude todas plotadas, um erro pode ser fatal, inúmeros pilotos habilidosos com milhares de horas de voo permanecem ali, há décadas, há anos, a meses, há semanas, há dias, acidentados com seus aviões, até Boeing 727-200-EUA dorme o sono profundo da morte naquele lugar inóspito pela própria natureza.
Coluna de JPassarelli
Cmdte. José Passarelli
Engenheiro Cívil
Professor Universitário
Instrutor de Navegação Aérea
Teoria de Voo
Aerodinâmica em Voo em Escolas de Aviação Civil
Escreve voluntariamente para o site AeroJota