Uso de aeronaves da FAB por autoridades sem prerrogativa legal expõe desvio ético e abre nova crise institucional
Quando quem fiscaliza passa a driblar as regras
Na quinta-feira, 15 de maio, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Vital do Rêgo, decidiu utilizar uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) para retornar de Belém a Brasília. O problema é que ele não possui prerrogativa legal para esse tipo de transporte oficial — e mesmo assim, o voo aconteceu.
A aeronave da FAB foi deslocado sem passageiros atém a cidade de Belém-PA, com o objetivo de buscar Vital do Rêgo e dois assessores. A solicitação partiu diretamente do próprio ministro e recebeu sinal verde do governo federal, por meio do Ministério da Defesa, liderado por José Múcio Monteiro — que, curiosamente, também já ocupou cargo no TCU. Essa denúncia foi publicada pelo jornalista Igor Gadelha, no portal Metrópoles.
O que diz a lei – e o que foi ignorado
O Decreto Presidencial n.º 10.267/2020 define quem pode usar aeronave da FAB. No texto só tem autorização para o presidente e o vice da República, além dos presidentes da Câmara, do Senado, do STF e dos ministros de Estado. Em casos excepcionais, o decreto também permite transporte por motivos médicos, de segurança ou mudança de residência oficial.
Contudo, há uma brecha. O parágrafo 2º do artigo 2º dá ao ministro da Defesa o poder de autorizar voos para outras autoridades. Foi essa exceção que o governo usou para aprovar o voo de Vital do Rêgo. Mesmo assim, a prática levanta dúvidas. Afinal, autorizar exceções virou regra, especialmente quando envolve nomes alinhados ao Governo atual.
Um histórico que foi respeitado – até agora
O uso de aeronave da FAB por membros do TCU não ocorria desde 2014, quando o então presidente Augusto Nardes autorizou o transporte da ministra Ana Arraes, após a morte de seu filho, Eduardo Campos. Desde então, os presidentes da Corte evitaram esse tipo de prática – até agora.
Ministros ouvidos em anonimato afirmaram que “ninguém jamais se atreveu a isso”, revelando o mal-estar provocado dentro do próprio tribunal. Afinal, o TCU tem como missão fiscalizar o uso de recursos públicos. Quando seu presidente burla essa lógica, a credibilidade da instituição sofre um golpe.
Mais uma mordomia disfarçada de exceção
A comodidade de voar em aeronave da FAB atrai cada vez mais autoridades públicas. Diferente dos voos comerciais, esses deslocamentos não exigem check-in, nem espera em filas ou saguões. Além disso, o embarque ocorre em áreas restritas, com tratamento privilegiado e sem contato com a população.
Embora o decreto permita autorizações pontuais, muitos políticos e ministros juízes encontraram ali uma brecha conveniente. O caso do presidente do TCU é apenas o exemplo mais recente. Afinal, quem ocupa cargos altos parece ter sempre alguém disposto a liberar um voo em avião da FAB “emprestado”.
Portanto, o que era para ser exceção vem se tornando uma prática frequente e confortável, longe dos olhos da fiscalização e da opinião pública.
Silêncio conveniente e normalização perigosa
Até agora, nenhuma explicação oficial foi dada pelo TCU, nem por Vital do Rêgo. O Ministério da Defesa, responsável pela autorização, também permaneceu em silêncio. A falta de transparência incomoda.
Com o tempo, esse tipo de voo especial vem se tornando rotina. O uso político usando aviões da FAB virou um privilégio silencioso. Além disso, a prática é cada vez menos contestada. Sem reação institucional, fica fácil transformar o que deveria ser exceção em comodidade para aliados do poder.
FAB não decide quem voa – apenas cumpre ordens superiores
Apesar de estar no centro da polêmica, a Força Aérea Brasileira não tem autonomia para autorizar ou recusar voos solicitados por autoridades civis. Na prática, os aviões ficam sob responsabilidade do Grupo de Transporte Especial (GTE), subordinado ao Comando da Aeronáutica, que apenas executa ordens administrativas e institucionais.
Ou seja, a FAB não é responsável por avaliar o mérito ou a legalidade dos pedidos recebidos. Cabe aos órgãos solicitantes, e principalmente ao Ministério da Defesa, decidir quem pode embarcar e em quais circunstâncias. Uma vez autorizada, a missão é cumprida conforme os protocolos militares, sem margem para contestação operacional.
Esse detalhe é importante para que o foco da crítica não recaia sobre a Força Aérea, mas sim sobre quem usa o poder de decisão para beneficiar aliados, driblando as regras com base em brechas da lei por interpretação a seu interesse.
Conclusão: se até o fiscal ignora os limites, quem resta para cumprir a regra?
O presidente do TCU, ao utilizar uma aeronave da FAB sem prerrogativa legal, escolheu o conforto acima da coerência institucional. Essa escolha não foi apenas simbólica. Ela reflete o esvaziamento ético de práticas que deveriam ser exemplares.
Enquanto o decreto presidencial tenta estabelecer limites, autoridades seguem testando as bordas da legalidade. E, infelizmente, quase sempre o fazem sem consequências.
Além disso, quando quem fiscaliza as contas públicas agem como beneficiário privilegiado, o cidadão comum perde confiança nas instituições. O recado, portanto, é claro: as regras existem apenas para quem não ocupa cargos de poder?
Se nada mudar, veremos o uso de aeronave da FAB por autoridades sem prerrogativa legal se consolidar como prática institucionalizada — e não como exceção.