Pensar avião nos aproxima.
Voo Campo Grande-MS-Forte Coimbra-MS
No comando da aeronave monomotora EMB-710 Carioca branco, azul e vermelho, matriculada PT-NEJ, com motor Lycoming de 6 cilindros e 235 HP, hélice metálica de velocidade constante e motor elétrico de partida fabricado em 1980, após decolar de Campo Grande-MS-SBCG- da pista 06 vou subindo com ângulo de 12° e atingindo o nível FL85 (8.500 pés) (2.600 m de altitude) cravado no rumo oeste 312° SBCR, rádios R1 e R2 sintonizados, instrumentos de navegação em SBCG (Campo Grande) calibrados em ILSNAV1 110,30 mhz, NAV2 em 112,80 mhz, a dezenas de minutos de voo, o compasso magnético NDB 375 khz do Aeroporto de Corumbá inicia a marcação de heading (proa), estou a 80 milhas (140 km) de Corumbá, mantenho a correção de rumo de 7° para à esquerda de olho no NDB 375 khz ao mesmo tempo em que vou trimando o compensador do leme de profundidade horizontal para utilizar pouco esforço no manche, sintonizo a Rádio AM-Amplitude Modulada de Corumbá e está tocando ‘Escreva uma carta meu amor’ com Roberto Carlos, o que me faz lembrar as primeiras namoradas, os primeiros beijos e abraços de uma adolescência cheia de felicidade e de bons amigos no Círculo Mitar e Rádio Clube, muitos aqui no facebk hoje e muitas amigas também. Começo a ler em called-voz alta- para mim mesmo o checklist de descida sem pular nenhum ítem, pois estou sem copiloto, quando voo sozinho canto todos os procedimentos em voz alta e clara para não esquecer nada, o diabo mora no detalhe do aviador, um item esquecido ou saltado pode ser o meu fim, converso com meu avião como se fosse uma namorada querida ainda um pouco desconfiada de mim, estamos nos conhecendo e eu digo a aeronave:
– Estou tratando você com todo carinho que merece, por favor, me leve até Corumbá e Forte Coimbra sem me decepcionar, somos parceiros, o que acontecer comigo também acontecerá com você!
-E ele fica desconfiado cada vez mais de mim, pois ainda não sabe o quanto sou carinhoso com mulher, sua reação são dois balanços laterais de asas me dizendo que entendeu o que eu disse, ainda bem. Voo sozinho na imensidão do céu azul, olho para baixo e é só verde. Ao longe começo a avistar a lâmina d’água do imenso e maravilhoso Rio Paraguai, diminuo a potência do motor e início a descida cantando em voz alta o checklist de mudança de nível para o nível FL40- 4.000 pés (1.200 m), empurro a mistura toda avante efetuo a correção de heading (proa de marcação) de 21° para à esquerda, meu intuito é atingir o Rio Paraguai e sobrevoá-lo até chegar em Forte Coimbra, contornar o Rio Paraguai, virar à direita e vim no rumo da pista para manter a aproximação estabilizada. Efetuo a aferição de altímetro para 1.019 hpa (hectopascais). Um companheiro da FAB pousou lá semana passada com um EMB- Bandeirante e me disse que a grama da pista está alta, com 30 cm de altura, confio nele, afinal pousar sem vistoriar à pista é risco de perda de trem de pouso ou mesmo a morte em grave acidente de pilonagem.
Estou próximo ao belo Forte Coimbra, onde meu pai serviu como oficial do Exército e eu aprendi a andar, me preparo para dar dois rasantes em cima do Forte para que alguém vá me buscar no aeroporto que é um pouco afastado, atrás dos morros da região. Todo cuidado é pouco, a região é cercada de morros de alturas e dimensões distintas, passo a baixa altura próximo ao local onde está sendo realizada as festividades militares do Forte Coimbra, suculento churrasco, etc., todos olham para o céu. Faço o contorno e sigo para a pista, alinho minha aeronave na pista 04 (040° de azimute em relação ao Norte Magnético), canto em voz alta o checklist de aproximação e venho na velocidade de 85 nós com perda de altitude de 400 pés por minuto no climb, mantendo o centro da pista entre minhas pernas, dou o último dente de flape acendo a luz de pouso, deixo as luzes beacon e estroboscópicas ligadas , corto o rádio, e deixo de ouvir música na Rádio AM(Amplitude Modulada )de Corumbá, o único som na cabine é o forte vento que passa pela janela de mau tempo da minha aeronave, meus ouvidos agora estão sintonizados apenas no funcionamento da batida do motor do avião, pois uma falha pode ocorrer e ser fatal, toda minha atenção está redobrada, efetuo o arredondamento perfeito e sinto finalmente o toque na pista, estou em Forte Coimbra-MS, efetuo o táxi e já observo dois soldados no Jeep do Exército me aguardando, muitos garotos estão me dando tchau e gritando de alegria saudando mais o avião do que a mim, recolho os flapes, corto o motor e aciono o freio de estacionamento, faço o checklist de abandono da aeronave. Adoro Forte Coimbra, pois o General Sicupira mandou meu pai do Rio de Janeiro para lá por causa de uma epidemia de gripe – o velho era oficial médico clínico geral do Exército Brasileiro- e lá eu aprendi a dar os primeiros passos.
Desço do avião, parece que esta namorada- a aeronave- gostou de mim, pois me trouxe com segurança ao solo, faço o último carinho no PT-NEJ e me dirijo para o Jeep militar , não sem antes deixar a molecada molhada da leve chuva que caía, entrar no avião e ficar fascinada como eu fiquei a primeira vez que vi um avião de perto. Começava uma chuva leve, boa para refrescar, a previsão era de um dia com 30°C.
Cobri minha garça com carinho com auxílio dos soldados , coloquei os devidos calços, amarrei as asas com cordas em estacas na pista. Feito esses procedimentos, deixei a pista e segui para o Forte Coimbra, onde o suculento churrasco me esperava com oficias amigos daquela unidade militar.
Voar é viver…
PS: Até um segurança da natureza surgiu para cuidar do meu avião. De fato, todos os que voam se entendem…!
Avião não admite erro.
Nunca deixe que um avião leve você para um local onde sua mente não tenha chegado sete minutos antes.
Aviador José Passarelli
Engenheiro Cívil
Professor Universitário
Instrutor de Navegação Aérea
Teoria de VooAerodinâmica em Voo em Escolas de Aviação Civil
Escreve voluntariamente para o site AeroJota.
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