Blindar um avião é melhor a fuselagem ou o motor?
O viés da sobrevivência.
Um dia, durante a Segunda Guerra Mundial, os matemáticos receberam uma questão dos militares americanos. Eles queriam blindar seus aviões contra os caças inimigos. Mas a blindagem tornava as aeronaves mais pesadas, e aviões mais pesados são mais difíceis de manobrar e usam mais combustível. Blindar demais os aviões é um problema; blindar de menos, também.
Em algum ponto intermediário há uma situação ideal. Os militares foram ao Grupo de Pesquisas Estatísticas (SRG em inglês) com alguns dados que julgaram úteis. Quando os aviões voltavam de suas missões, estavam cobertos de furos de balas. Mas os danos não eram distribuídos uniformemente. Havia muitos furos na fuselagem e quase nenhum no motor. Parecia fazer sentido, portanto, blindar mais a fuselagem. Será?
A blindagem, segundo o matemático Abraham Wald, não deveria ir aonde os furos de bala estavam, mas aonde os furos não estavam. A grande sacada foi simplesmente perguntar: onde estavam os furos de bala que faltavam? Eles estavam nos aviões que faltavam. A razão de os aviões voltarem com poucos pontos atingidos no motor era que os muito atingidos no motor simplesmente não voltavam.
A blindagem, para Wald, deveria ser feita nas partes onde não havia furos. Suas recomendações foram rapidamente materializadas. Uma coisa que os militares compreendem bem é que os países não vencem guerras somente sendo mais corajosos do que o outro lado.
Os vencedores, em geral, são os caras que têm 5% menos aviões derrubados, ou que utilizam 5% menos combustível, ou que nutrem sua infantaria 5% mais com 95% do custo. Esse não é o tipo de coisa que figura nos filmes de guerra, mas é o que constitui a própria guerra. E há matemática em cada passo do caminho.
Por que Wald viu o que os oficiais, que tinham conhecimento e compreensão muito mais vastos dos combates aéreos, não conseguiram? Tudo volta para seus hábitos matemáticos. Um matemático sempre pergunta: ‘Quais são as premissas? Elas se justificam?’ Essa maneira de pensar pode parecer irritante, mas é, sem dúvida, muito produtiva.
Os oficiais tinham uma premissa involuntária: os aviões que voltavam eram uma amostra aleatória de todos. Para um matemático, a estrutura subjacente ao problema do furo de bala é um fenômeno chamado de ‘viés de sobrevivência’, que sempre ressurge em variados contextos. Uma vez que se tenha familiaridade com ele, como Wald tinha, é possível percebê-lo facilmente onde quer que ele se esconda.
Fique vivo, voe padrão comandante!
Leia o avião; pilote o Manual!
Boa viagem!
Avião não admite erro.
Nunca deixe que um avião leve você para um local onde sua mente não tenha chegado sete minutos antes.
Coluna do Aviador José Passarelli
Engenheiro Cívil
Professor Universitário
Instrutor de Navegação Aérea
Teoria de VooAerodinâmica em Voo em Escolas de Aviação Civil
Escreve voluntariamente para o site AeroJota.