Segundo alguns critérios, o primeiro a voar o mais pesado que o ar foi o Santos Dumont, mas dependendo da forma como a pergunta for feita, poderemos ter como resposta Otto Lilienthal, Samuel Langley, os próprios Wright ou alguns outros. O Smithsonian, mais importante instituto de aviação do planeta, atualmente, tem uma opinião diferente da que adotou inicialmente.
Vamos aos fatos?
A atual história escrita, diz que em 1903, os irmãos Wright fizeram quatro voos com o seu Flyer I somando dois minutos totais e percorrendo um total de 0,45 quilômetro.
O motor do Flyer I teria sido desenvolvido pelos próprios Wright (vai construir seu próprio motor hoje!) e tinha 3,3 litros pra gerar 12 cavalos. Daí a necessidade de usarem trilhos pra escorregar os esquis do Flyer I ladeira abaixo, com forte vento de proa e auxiliado por uma catapulta. O peso sem piloto do Flyer I era 274 quilos. 12 cavalos contra 274 quilos.
Interessante os irmãos Wright, como mecânicos e fabricantes de bicicleta, artigo de luxo na época, não pensarem em rodas de bicicleta.
Dizem que em 1905 os Wright teriam realizado voos mais longos com o Flyer III, mas ainda sem abandonar a catapulta e sem se expor ao público e à imprensa. Os Wright patentearam um controle de inclinação de asas chamado “wing wrap”, que deformava a ponta delas pra fazer curva. Não se usa isso hoje.
O interessante é que eles tiveram algumas boas oportunidades de fechar algum bom contrato com gente forte e ficarem ainda mais ricos, o Exército americano foi um deles. Vou resumir demais a contenda:
– Vcs demonstram a capacidade de voo que eu pago.
– Vcs primeiro pagam depois nós demonstramos a capacidade de voo.
Muito mais água rolou debaixo dessas pontes, mas vou ficar por aqui.
Santos Dumont, em dois meses, construiu o 14 bis. Incrível como o avião já estava desenhado no HD mental dele. Pesava 160 quilos e o motor usado no dia 23 de outubro de 1906, um Antoinette, era de 3,2 litros e gerava 50 cavalos de potência. 50 cavalos contra 160 quilos. Há algumas controvérsias qto ao peso do avião original.
A história anterior de SD era com balões, daí colocou um cesto, onde voou em pé. Compare com uma aeronave moderna onde o piloto fica sentado e as duas mãos e os dois pés acionam controles.
Nas primeiras tentativas de fazer o 14 bis voar, logo percebeu que o controle de leme, que era acionado por uma das mãos, não seria o suficiente pra controlar o avião.
Lembra que pra controlar seus dirigíveis bastava a SD um controle de leme?
Por estar em pé, faltaram membros pra controlar a inclinação das asas. O modelo que voou uma distância de 60 metros em sete segundos no Campo de Bagatelle, foi acrescido do comando de aileron, que é usado até hoje nos aviões. Os cabos deste comando eram presos aos ombros do SD pra ele poder controlar a inclinação das asas do 14 bis.
Qdo a imprensa do planeta divulgou o que SD fez os Wright se coçaram.
– Opa! Ai não! Nós já fazemos isso há mais tempo!
– Então vem cá e mostra!
Em janeiro de 1908 os Wright estavam em Paris e assistiram o anglo-francês Henry Farman receber o prêmio do Aeroclube da França por ter voado mil metros num circuito fechado.
Caraca! Pra quem teria voado 39 quilômetros em 1905 seria mamão com açúcar! Pq não levaram o Flyer III e eles mesmos não faturaram o prêmio? Será que ainda tinham problemas pra solucionar? Precisavam se “inspirar” no que já estava funcionando?
Conjecturas.
Voltaram a Paris na segunda metade de 1908. Vale lembrar que 1908 foi o ano que SD já tinha evoluído e construído sua primeira versão do Demoiselle. Aliás, muita gente, mundo afora, já estava voando em 1908.
Na bagagem os Wright trouxeram a catapulta, o avião e, pasme! O Flyer III usou um motor Antoinette de 40 cavalos!
Que curioso. De onde teriam tirado essa ideia?
Mas ainda assim foi catapultado. Assista ao vídeo.
Catapulta? Qual é a diferença entre as forças das pernas de Otto Lilienthal correndo morro abaixo e uma catapulta? Lilienthal fez mais de 2.000 voos, sem se manter por muito tempo no ar. Estolou no último.
Não há catapultas nos aeroportos de hoje. Os mesmos F-18 que decolam catapultados de porta-aviões tbm decolam por meios próprios de uma pista.
No primeiro parágrafo eu digo que o Smithsonian “atualmente” mudou sua opinião.
Sim, até onde chegaram minhas pesquisas, antes de 1948, para o Smithsonian o cara da aviação, teria sido Samuel P. Langley, um dos co-fundadores do próprio Smithsonian.
Não vou negar que o Langley estaria insatisfeito por ter sido reconhecido parcialmente.
Langley havia “demonstrado”, em 1896, que um mais pesado que o ar poderia voar. Seu Aerodrome #6 foi catapultado, com motor a vapor, sem ninguém a bordo e acabou se espatifando no mar um quilômetro à frente.
Pense em critérios pra indicar um bom nome que seria adequado como “o pioneiro” da aviação.
Como o Smithsonian não conseguiu reunir provas do que os Wright disseram que haviam feito em 1903, não houve o reconhecimento. Então os próprios Wright doaram seu Flyer para o Museu de Ciências de South Kensington, na Inglaterra.
O Smithsonian só reconheceu décadas depois, qdo trouxe o Flyer de volta aos EUA. A seguinte frase, hoje, está lá:
“O Flyer foi a primeira máquina motorizada, mais pesada que o ar, a conseguir um voo “sustentado” e controlado com um piloto a bordo.”
Vou alterar um tantinho o que o Smithsonian registrou e adaptar.
“O 14 bis foi a primeira máquina motorizada, mais pesada que o ar, a conseguir um voo “auto-sustentado”, “auto-propulsado” e controlado com um piloto a bordo.”
Sejamos honestos. Percebe a diferença de um voo “sustentado” pra um voo “auto-sustentado”?
Questão de fazer a pergunta certa ou adaptar critérios.
Santos Dumont equalizou, pela primeira vez na história, todos os itens da equação cujo resultado leva ao voo. Do início ao fim.
Encontrou materiais leves e resistentes, adotou boas soluções aerodinâmicas para a sustentação e controle, encontrou um conjunto moto-propulsor que lhe permitia uma adequada relação peso-potência.
Daí foi só voar, iniciando o voo de forma auto-propulsada.
Pra mim, o azar de Alberto Santos Dumont foi não ter nascido no “país certo”. Entre aspas, claro. Se fosse um Albert Saint of Mountain, tenho a impressão de que os critérios teriam sido outros e, talvez, os Wright continuassem até hoje no papel secundário, segundo o Smithsonian.
Ainda neste ano deveremos ter o lançamento de um livro muito interessante, Primeiro Voo Público. Pelo que conversei com o autor, Marcos Palhares, vai botar muita lenha nessa fogueira sobre quem voou primeiro. Ele tem um vasto material histórico e já estou na fila pra ler.
Aliás, ele me confirmou alguns dos conceitos que estão neste artigo que vc lê.
Enquanto o livro não está disponibilizado, desejo a vc que os dados da equação que permita seu voo sejam sempre os melhores e mais fiéis aos princípios que fazem vc voar. Que os critérios pra vc voar sejam sempre compatíveis com um pouso seguro no destino que escolher.
Esse assunto é tão polêmico quanto infinito. Tem inúmeros outros atores além dos que citei.
Feliz Dia do Aviador!
Fraternal abraço.
Piloto de Helicóptero Ruy Flemming, Coronel Aviador da Reserva da Força Aérea Brasileira.
Formou-se na Academia da Força Aérea Brasileira – AFA
Piloto do 1º Esquadrão de Instrução Aérea da AFA – 1º EIA, das Aeronaves T-25 e T-27 Tucano, formando centenas de Pilotos Militares na Academia
Piloto de Helicóptero Bell UH-1H do 2º/10º Gav – Busca e Salvamento – SAR –
Piloto da Esquadrilha da Fumaça entre os anos de 1992 e 1995 como #3 Ala Esquerda e #7 Isolado
Piloto de Helicótpero Agusta 109
Ex-Diretor da ABRAPHE – Associação de Brasileira de Pilotos de Helicópteros –
Autorizou transcrever seus artigos, causos, dicas e curiosidades aeronáutica de asa fixa ou rotativa. Para acompanhar o Aviador Ruy Flemming nas redes sociais, acesse o link a seguir RUY FLEMMING NO AR
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