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Lancevaque uma das manobras mais incríveis da Esquadrilha da Fumaça / Piloto de Helicóptero Ruy Flemming

Lancevaque o balé no céu.

Lancevaque.

Se nós tivéssemos sido projetados para voar, teríamos estruturas de asas no lugar de braços e penas cobrindo a pele. O Criador, porém, fez melhor e nos deu a capacidade de pensar, imaginar e inventar.

Ao mesmo tempo em que ensaiamos os primeiros passos na conquista do ar, apareceram os primeiros aviadores querendo fazer diferente e começaram a “entortar” aquelas frágeis máquinas. As manobras mais radicais daqueles primórdios, não passavam de curvas e voos rasantes. Parafusos, tonneaux e loopings vieram assim que novos motores, mais potentes e mais leves, foram aplicados a avionetas mais resistentes.

Na década de 50, quando aparentemente nada mais poderia ser criado surgiu uma manobra espetacular, rendeu ao seu inventor os títulos do Lockheed Aerobatic Trophy nos anos de 1957, 1958, 1961, 1964 e 1965, voando um Zlin 226. Aqui chamamos de lancevaque.

O verbete em português vem de lomcevak. Numa aplicação prática dessa palavra você pode usá-la se algum dia for para a cidade de Brno e quiser se referir ao estado de embriaguez causado por algumas doses a mais de slivovitz, bebida alcoólica típica muito apreciada entre os tchecos.

Quem batizou a acrobacia assim foi o mecânico do piloto Ladislav Bezak, que no campeonato de 1958, em Brno, tentava explicar a manobra para assombrados jornalistas que não entendiam bem o que aquele maluco estava fazendo lá em cima. O nome pegou e é bem mais conhecido que o do próprio inventor.

Anos mais tarde Bezak fugiu da repressão política que imperava na antiga Tchecoslováquia, a bordo do seu Zlin 226, com sua mulher e filho na nacele dianteira.

O legado para o seu país foi a proibição da acrobacia aérea, como providência para evitar novas fugas. Bezak deixou para o mundo, porém, o legado dessa fantástica manobra que, em pouco tempo, passou a ser empregada em todos os circuitos internacionais de acrobacia aérea.

Quem colocou o lancevaque na Fumaça foi o Celso Vilarinho, que voou na Esquadrilha da Fumaça na década de oitenta. Trata-se de um apaixonado, curioso e estudioso da acrobacia aérea.

O interessante é que ele testou as primeiras cambalhotas de um lancevaque antes dos Tucano existirem e serem disponíveis para a Esquadrilha da Fumaça.

Aprendeu o bê-á-bá no T-25 Universal quando voava no Cometa Branco, uma esquadrilha de demonstração que nasceu entre os instrutores de voo da Academia da Força Aérea, em Pirassununga – SP, numa época em que o nome Esquadrilha da Fumaça fazia parte do passado, porque o grupo com os North American Texan T-6 havia deixado de existir e o Esquadrão de Demonstração Aérea, com os T-27 Tucano, ainda não havia nascido.

Um lancevaque descrito no livro Aerobatics, de Neil Williams, e que trazia uma imagem dessa acrobacia complexa foi a base de sua pesquisa. Durante um ano Vilarinho foi adicionando, removendo e alterando os componentes teóricos e colocando-os em prática nos voos de final de tarde, sempre ao término da jornada diária de instrução ministrada aos cadetes.

O Universal e o Vilarinho foram aos poucos se entendendo. O Vilarinho diz que depois de inúmeras tentativas saiu “algo parecido” ao que havia lido no livro. A confirmação de que era “algo parecido”, veio com sua viagem a Pompano Beach, na Flórida, EUA. Quem levou o Vilarinho até lá foi o José Ângelo Simioni, entusiasta e incentivador da acrobacia aérea, que faleceu em 09SET83 a bordo de um T-6. Os voos que Vilarinho fez com o acrobata norte-americano Clint McHenry foram esclarecedores:
– Definitivamente isso não é um lancevaque, você inventou uma manobra nova.

A invenção veio da necessidade de adaptar a acrobacia às características do Universal e mais tarde, do Tucano. Nos dois aviões, as asas longas e enorme carga alar não permitiam que a manobra original fosse executada. O nome foi mantido.

Para fazer algo tão diferente Bezak teve que inovar e adicionou um novo ingrediente na execução da acrobacia. Fugindo do lugar-comum de utilizar somente os princípios aerodinâmicos, Bezak fez uma combinação destes com os efeitos da precessão giroscópica produzida pela forca da hélice girando a plena potência.

O lancevaque original, de Bezak, era feito com seu Zlin 226 com uma subida a 45°. Antes de executar a manobra, colocava o avião de cabeça para baixo. Em seguida comandava com o manche todo à frente e à esquerda com pedal direito a fundo, mantendo o motor a plena potência.

O de Vilarinho, que acabou sendo usado na Esquadrilha da Fumaça com o Tucano, começava com um voo picado para ganhar pouco mais de 200 nós (360 km/h), mão esquerda na manete de potência para mantê-la toda à na frente.

Iniciava, então uma puxada de três G e colocava o Tucano subindo exatamente a 90° com o solo, trazia o manche em neutro para evitar qualquer tendência e olhava rapidamente para um lado e para outro verificando se as asas estavam equidistantes com o solo, imediatamente depois iniciava o tunô vertical pela esquerda. Quando o Tucano atingisse cerca do dobro da velocidade de estol, algo em torno dos 120 nós (220km/h), comandava o lancevaque.

É uma manobra bruta. Definitivamente não tem nada de delicado.

Manche todo à frente e à esquerda, no batente, e pedal para o mesmo lado, a fundo. Com os comandos de voo aplicados no máximo curso e motor a plena potência, as forças aerodinâmicas são bastante grandes, o Tucano briga para sair dessa condição e o piloto tinha que se valer da força muscular para contrariá-lo.

A visão do piloto passa a ser a do mundo girando muito rápido em volta do avião. Aliás, o piloto era quem menos sofria. A carga G ficava em torno do menos um, zero e um G e havia uma dose adicional de G lateral.

O som era do motor funcionando a máxima potência.

O piloto buscava seu ponto de referência no chão olhando para cima e diante dos seus olhos a paisagem se alternava rapidamente entre céu e terra.

A dica para diminuir a pressão nos comandos era justamente o som. Quando a energia do giro acabava, o som ficava mais forte, como que o ar tentando passar pelo disco da hélice de trás para frente.

Para descomandar um lancevaque no Tucano era muito simples, bastava tirar potência ou deixar de manter os comandos em seu curso máximo. Ele pára de girar e o nariz aponta para o chão, com o peso do motor, voltando a voar da maneira como foi concebido.

Se o piloto simplesmente soltasse todos os comandos o Tucano saia com uma docilidade incrível. Caso o piloto insistisse em manter os comandos aplicados depois que o avião perdesse a energia, ele entrava num parafuso invertido.

Fazer um lancevaque e poder sentir a sensação desse giro inusitado em torno das asas é uma experiência que vale a pena ser vivida.

Enquanto existir a capacidade de pensar, imaginar e inventar, será sempre possível o surgimento de outros Bezak e outros Vilarinho com novas surpresas de tirar o fôlego.

Abraço,

Flemming

Coletivo prá cima. Cíclico a frente. 

Piloto de Helicóptero Ruy Flemming, Coronel Aviador da Reserva da Força Aérea Brasileira. 

Formou-se na Academia da Força Aérea Brasileira – AFA
Piloto do 1º Esquadrão de Instrução Aérea da AFA – 1º EIA, das Aeronaves T-25 e T-27 Tucano, formando centenas de Pilotos Militares na Academia
Piloto de Helicóptero Bell UH-1H do 2º/10º Gav – Busca e Salvamento – SAR –
Piloto da Esquadrilha da Fumaça entre os anos de 1992 e 1995 como #3 Ala Esquerda e #7 Isolado
Piloto de Helicótpero Agusta 109
Ex-Diretor da ABRAPHE – Associação de Brasileira de Pilotos de Helicópteros –

Autorizou transcrever seus artigos, causos, dicas e curiosidades aeronáutica de asa fixa ou rotativa. Para acompanhar o Aviador Ruy Flemming nas redes sociais, acesse o link a seguir RUY FLEMMING NO AR 

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